segunda-feira, outubro 14, 2013

Memory

"A vida sem memória não é vida...a nossa memória é a nossa coerência, a nossa razão, o nosso sentimento, até mesmo a nossa acção. Sem ela não somos nada." 
Buñuel 


Já faz algum tempo que sinto que a memória me falha, de forma que me assusta. O stress que passei em alguns momentos dos últimos anos afectou-me sem dúvida. Tornei-me numa pessoa mais ansiosa, com menos resistência ao stress. Sou a minha pior inimiga, com um discurso interior difícil, o acumular de experiências negativas foi sem dúvida insuportável. Conheci crianças com capacidade de manipulação inacreditável, vivi e experienciei cenas de sofrimento atroz e fiquei marcada para a vida. Ainda tenho pesadelos terríveis. Quando faz muito vento, e se avizinha trovoada ou algo mais intenso começo a sentir o meu corpo a fervilhar entro em estado de ansiedade, vigio a casa e começo à espera de que aconteça outra catástrofe. O meu cérebro está programado para a próxima coisa má que vá acontecer, em alerta constante. É um estado de vigília que consome e tento apaziguar e controlar mas é complexo, demora, leva tempo a integrar especialmente quando deixam de acontecer coisas boas por um período de tempo extenso.
De tudo o que mais me perturba é a memória sempre me fez confusão não me lembrar da minha infância. No outro dia numa formação com uma grande psicoterapeuta perguntei como se explica tal facto, ela olhou-me e não precisei de a ouvir. É tão óbvio. Esta formação foi muito profunda com exercícios de introspecção e conhecimentos incríveis ao nível da inteligência emocional.
A semana passada num daqueles processos de introspecção em que às tantas já não sabemos quantas voltas deu o pensamento, semi-acordada, levantei-me da cama e procurei um diário que um amigo partilhou comigo faz uns anos. E encontrei respostas incríveis a perguntas que estavam na minha mente. Fiquei alucinada e ao mesmo tempo desiludida por não me lembrar da dedicatória que me emocionou bastante. Esta pessoa não teve um papel muito activo na minha vida e mais uma vez percebi o quanto não percebi e não dei importância a determinadas pessoas em detrimento de outras. Foi tão revelador e emocionante. Encontrar pedaços da minha adolescência relatados por outrem, e perceber o quanto sempre acreditei nas pessoas e o quanto as pessoas mais próximas não estiveram lá para mim. Perdi amizades, perdi amores (alguns que nem eu própria sabia que existiam) e sobretudo perdi a memória. Será o processo de memória selectiva a ajudar ... não deixa de me chocar e deixar apreensiva. Partes de mim perderam-se e é assim que me sinto, profundamente desfragmentada a tentar analisar e perceber uma história que não faz sentido.