domingo, setembro 30, 2007

Não desisti de habitar a arca azul...






Não desisti de habitar a arca azul
do antiquíssimo sossego do universo.
A minha ascendência é o sol e uma montanha verde
e a lisa ondulação do mar unânime.
Há novecentas mil nebulosas espirais
mas só o teu corpo é um arbusto que sangra
e tem lábios eléctricos e perfuma as paredes.
Aos confins tranquilos entre ilhas mar e montes
vou buscar o veludo e o ouro da nostalgia.
Deponho a minha cabeça frágil sobre as mãos
de uma mulher de onde a chuva jorra pelos poros.
Ó nascente clara e mais ardente do que o sangue,
sorvo o cálice do teu sexo de orquídea incandescente!
A minha vida é uma lenta pulsação
sob o grande vinho da sombra, sob o sono do sol.
Há bois lentos e profundos no meu corpo
de um outono compacto e negro como um século.
Com simultâneas estrelas nas têmporas e nas mãos
a deusa da noite, sonâmbula, desliza.
Ao rumor da folhagem e da areia
escrevo o teu odor de sangue, a tua livre arquitectura.
Prisioneiro de longínquas raízes
ergo sobre a minha ferida uma torre vertical.
Vislumbro uma luz incompreensível
sobre os campos áridos das semanas.
Elevo o canto profundo do meu corpo
sob o arco das tuas pernas deslumbrantes.
Escrevo como se escrevesse com os meus pulmões
ou como se tocasse os teus joelhos planetários
ou adormecesse languidamente



António Ramos Rosa
Três - 1975
in Antologia Poética


sábado, setembro 29, 2007

Algo que abre caminho desde dentro...





Há um brusco agitar e o roçar de algo que escorrega brandamente, lubrificado por águas espessas. Há um urgente impulso para a frente, uma viragem na postura. Há um tacto desconcertado, a passagem de uma fronteira elástica, uma comichão dolorosa, uma luz que fere, uma agitação desconhecida e rítmica, algo que abre caminho desde dentro, um grito. O espaço ondulou amorosamente. Muito tempo depois eu soube que tinha sido embalado. Na altura não sabia nada porque ainda não havia ninguém que pudesse saber. Eu cheguei depois, quando essa consciência colada às sensações se foi tornando independente, distanciando-se das impressões, que começavam a ser coisas. Grandes ritmos organizavam tudo: o desassossego e a calma, a vigília e o sono. Por fim apareceram os rostos, as palavras, o divertido som de um guizo, as canções de embalar, os beijos, os sorrisos, tão divertidos de imitar, e também o EU, o meu eu, como o centro da paisagem. Cheguei a reconhecer-me num espelho. Primeiro havia estados agradáveis ou incómodos, depois houve visões que atraíam ou aborreciam, depois vi objectos, por fim vi-me a ver objectos: tinha reflectido.

in Aprender a viver by José António Marino (2007)


T2

Apenas tenho que virar

A minha vida de pernas para o ar

E procurar uma casa para eu morar


Um pequeno T2 onde podemos viver os dois

Com vista para o mar e um jardim

Um carro com tecto de abrir




Ricardo Azevedo

quinta-feira, setembro 27, 2007

Todos os dias...





Yakovina - Influence of a music



Porque raramente me aprendes....

Se eu te aprendo todos os dias?





segunda-feira, setembro 24, 2007

Lis ...



Desabrochar na procura de significados
Na descoberta infinita
De um primeiro olhar que não acaba nunca
Descobrir que o que um dia foi castelo e muralha
Pode amanhã ser pedra e pó
E contemplar cada janela
Como um mundo de possibilidades
Como luz que nos ilumina
Não perder o mais belo pormenor
Através das inúmeras perspectivas
Câmara, luzes, acção...



domingo, setembro 16, 2007

Aforismos


"Como as gaivotas e as ondas se encontram, nos encontramos e nos unimos.

Vão-se as gaivotas voando, vão pairando sobre as ondas; e nós também vamos.

Se de noite choras pelo sol, não verás as estrelas.

A luz do sol me saúda sorrindo.

A chuva, sua irmã triste, fala-me ao coração.

Se faço sombra em meu caminho, é porque há uma lâmpada em mim que ainda não foi acesa.

Teu sol sorri nos dias de inverno de meu coração, e não duvido jamais das flores de tua primavera.

Quando o dia cai, a noite o beija e lhe diz ao ouvido:

Sou tua mãe a morte, e te hei de dar nova vida'.

O mistério da vida é tão grande como a sombra na noite.

A ilusão da sabedoria é como a névoa do amanhecer.

Lemos mal o mundo, e dizemos logo que nos engana.

A borboleta conta momentos e não meses, e tem tempo de sobra.

Quando eu estiver contigo no fim do dia, poderás ver as minhas cicatrizes, e então saberás que eu me feri e também me curei.

Cada criança nos chega com uma mensagem de que Deus ainda não se esqueceu dos homens.

Elogios me acanham, mas secretamente imploro por eles."


Tagore


sábado, setembro 15, 2007

Se me é negado o amor





"Se me é negado o amor, porque, então, amanhece;
por que sussurra o vento do sul entre as folhas recém nascidas?
Se me é negado o amor, porque, então,
A noite entristece com nostálgico silêncio as estrelas?
E porque este desatinado coração continua,
Esperançado e louco, olhando o mar infinito?"

Rabindranath Tagore

quinta-feira, setembro 13, 2007

And in this crazy life, and through these crazy times...





And in this crazy life, and through these crazy times

It's you, it's you,

You make me sing

You're every line, you're every word, you're everything.


Michael Buble, Everything


Chá de Príncipe





Falaram me no outro dia neste chá. Resolvi pesquisar....



"é uma planta herbácea da família das gramíneas, nativa das regiões tropicais da Ásia (índia). É também conhecido pelos nomes de belgate, belgata, capim-cidreira, erva-cidreira, chá-de-estrada, chá-de-príncipe (ou, apenas príncipe), chá-do-gabão, capim-cidrão, capim-cidrilho, capim-cidró, capim-santo, capim-de-cheiro, citronela, capim-cheiroso, capim-catinga, patchuli, pachuli, capim-marinho, capim-membeca, palha de camelo e esquenanto

É uma planta medicinal, usada em medicina popular, sendo, para esse efeito, utilizadas as folhas que, em infusão, têm propriedades febrígugas, sudoríficas, analgésicas, calmantes, anti-depressivas, diuréticas e expectorantes além de ser bactericida, hepato-protectora, anti-espasmódica, estimulante da circulação periférica, e estimulante estomacal e lácteo. Os compostos químicos a que se devem estas propriedades são o citral, geraniol, metileugenol, mirceno,citronelal, ácido acético e ácido caprioco. Tais componentes e, mais especificamente o citral, dão-lhe um aroma semelhante à lúcia-lima, bela-luísa ou limonete (Aloysia triphylla)."


Quero, quero...
chá de príncipe,
príncipe
e tratamento de princesa.

;p (Se não for pedir muito...)


quarta-feira, setembro 12, 2007

À (minha) espera



Já nem te sei, já nem sei imaginar o teu toque... fecho os olhos e não sei sequer se o devo imaginar. Mas algo indiscutível sei.... sei-te de cor. A distância quando aumenta desperta tantos sentimentos e ao mesmo tempo afasta outros. Criam-se verdades. Conformidades da vida. Os laços sentem-se à distância. Sei que te trago em mim. Sei que de alguma forma me trazes em ti. Sei do melhor dos abraços, sei do olhar vazio, sei da pele morena, sei da dor de não te ter. Sei da dor de não teres... Ambos sabemos a dor de não ser correspondido. Às vezes sinto uma solidão cortante. Os mais velhos não percebem a minha necessidade de conforto e bem estar. Das minhas compulsões por livros e chocolate. E eu sei que preciso de algo para me agarrar à vida. Das histórias de vida escritas no espaço e no tempo que me fazem sentir viva, das séries televisivas que me fazem chorar com frases tão simples. O simples é bonito e essencial. Preciso de injecções de emoção para acordar com aquela esperança que um dia foi desmedida e desvanece a cada dia que passa. Numa tentativa esforçada e desesperada de me encontrar neste mundo, de te encontrar. Atiro-me ao trabalho, orgulho-me da minha entrega ao trabalho e de não decepcionar as pessoas que em mim investem. Quando me dizem que através de um simples curriculo eu fui escolhida para uma tarefa tão dentro da minha àrea de estudo e ao mesmo tempo tão fora e por isso holística e exigente, assumo o desafio e entrego-me. Mas fico parada a pensar no quanto os percursos desta vida se revelam inesperados. Desdobro-me em pensamentos na tentativa de entender o que a vida tem à minha espera. Fecho os olhos e apesar de tudo sinto-me só. Começou a chover lá fora e a trovejar. Hoje quero acreditar que a natureza está solidária comigo, quão imenso é o meu egoísmo...


domingo, setembro 09, 2007

Semente inventada





"Não sei como dizer-te que minha voz te procura e a atenção começa a florir, quando sucede a noite esplêndida e vasta. Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos se enchem de um brilho precioso e estremeces como um pensamento chegado. Quando, iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado pelo pressentir de um tempo distante, e na terra crescida os homens entoam a vindima - eu não sei como dizer-te que cem ideias, dentro de mim te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros ao lado do espaço e o coração é uma semente inventada em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia, tu arrebatas os caminhos da minha solidão como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio."

Herberto Helder


sábado, setembro 01, 2007

The Great Lake Swimmers - To Leave it Behind





when we were greened and young as shoots
the world took off beneath our boots
oh we were picked when we were young
gentle words and modesty
when we turned towards the tide
choirs screamed in their delight
oh i am ripe and ready now
my heart is heavy, it's going to fall
out of my body

unto love, unto love
oh my heart is heavy, it's going to fall
out of my body

would have died without
your gardens of eternal life
that you kept so well, kept so well
could have lived without
the fall into the tragedy
but i'm not adam
and you're not eve
they were brave enough to leave
when they were told leave it behind

leave it behind
it behind
they were brave enough to leave
when they were told
leave it behind


* I'm not feeling brave enough