A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada
esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos
espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto à beira-mar
outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo
Al Berto, O medo
Lisboa, Assirio & Alvim, 1997
Al Berto, O medo
Lisboa, Assirio & Alvim, 1997