quinta-feira, janeiro 24, 2008

Uma rua (im)perfeita





Ilusões e mais ilusões de óptica ou não ...portas e janelas que não se abrem. Trilhos que não se percorrem. Experiências e vivências que se encontram longe do coração. Espelhos que devolvem dias cinzentos de inflamações recorrentes, corpos que tremem do desassossego que é não haver uma janela. Um abraço ofegante no fundo da rua ... uma rua (im)perfeita que mandámos ladrilhar só para o nosso amor passar. Nevoeiro... nevoeiro... não vejo nada. E sei... que... piso cada dia devagarinho. Que...


"Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito."

(...)

"De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo...Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter..."

Livro do Desassossego, Bernardo Soares